Mulheres em Chamas
terça-feira, janeiro 27
  Last Sunday

os domingos são dias absurdos. nem fim nem princípio de nada. talvez por isso, nunca se publique nada ao domingo

um domingo que passou por aqui

e há sabores novos
em cada dia de invenção clara
sabores doces acres amargos
sabores que têm aromas e cores
sabores feitos de metáforas e sinestesias
sinfonias e melodias
e sabores musicais e tácteis e vibráteis

e há sabores novos
em cada dia que de si
é uma nova descoberta em mim


FOTO - Principio
de Rogério Lima


outro domingo onde eu não estive...

eu conheço esses pássaros
que planam no azul
sem aviões que fazem barulho
vêm pela manhã
como as gaivotas sem rumo
apenas pelo prazer de voar nos céus azuis

e são asas de sonho
coragens feitas de medos
ultrapassam as horas dos dias
esquecem os sentidos obrigatórios

voam para o nada que se faz tudo
voam para chegar mais cedo sem horas marcadas
voam para sorrir ao outro lado do prazer.


FOTO - Flying...
de Marilia Gomes

 
domingo, janeiro 25
  outro domingo

e um novo dia se atreve
a romper por entre as gotas miudinhas
lançando aromas recordados
recortados das páginas do jornal de domingo

terra molhada
palavra cruzada
doçura do leite morno
sorrisos lambuzados de chocolate
o verde que acorda

e a maresia já aqui ao lado

 
terça-feira, janeiro 20
  Estrelas III

as pessoas geniais aparecem-nos de mansinho.
como as primeiras estrelas do crepúsculo
estamos ainda tão encandeados com a luz do sol
que nem as olhamos.

quando damos conta
as pessoas geniais
já ocuparam todo o nosso campo de visão
como as estrelas.

(dedicado a todas as pessoas geniais que fazem o favor de ser minhas estrelas)


Tu nunca me esqueças nunca
Foto de Vitor MM Costa
 
  Estrelas II

e não quero saber o nome das estrelas
nem quantos milhares de anos que elas vivem
solitárias coladas no meu placard de negro vestido

porque amo o brilho da ternura
feita de segundos em palavras ditas
cheio de luz
tão efémera como um olhar que deito à janela.

 
  estrelas I


e as palavras caem ao fim do dia
despem-se dos seus sentidos coloridos
tiram os atavios feitos de seda e organdi
e são já palavras nuas.

ao fim do dia as palavras
cobrem-se de pele e lágrimas.

e todos os nomes são o meu
e eu sou todas as pessoas que amo
e que amei e que hei-de amar.

e conseguirei ver todas as constelações
através da luz na noite que nos guarda
e verei todas as estrelas presas ao céu
e nunca saberei os seus nomes.
 
sexta-feira, janeiro 16
  Um beijo na praça



o sol brilhava na praça
brincando com os pombos às escondidas
as floristas ofereciam rosas aos senhores
que desdenhavam os seus sorrisos oferecidos
a fonte salpicava-me os dias de gotas alegres
tão transparentes como outras ternuras.

tínhamos vinte anos na praça florida
vestíamos os corpos da seda feita de pele
ouvíamos ao longe o azul do rio

tínhamos vinte anos na alegria da praça florida
dissemos adeus até amanhã
e, rindo deste-me um beijo na boca.
 
  Gostava de crescer assim


Modelo
de José dos Santos


Gostava de saber ver para lá de tudo o que os meus olhos vêem
Gostava de sentir a cor e a forma que as almas têm...

Gostava de ter uma janela com vista para dentro, a preto e branco com um espaço infinito para colorir e uma caixa de lápis Giotto novinhos em folha.

Gostava de ser leve

como sempre que o amor é feito de ilhas que se tocam indelevelmente.
 
  Tempo mágico



Era o tempo mágico da infância. Tempo que se prolongava por quatro intermináveis meses, em que todos os dias eram iguais, sempre povoados por risos quentes e cheiros doces a fruta de verão e marisco acabado de vir do mar...Curiosamente, nunca chovia, nem havia nuvens no céu. A praia, branca e azul era só nossa... O mar estava sempre ali, todas as manhãs... esperando pelos nossos corpos infantis, que se confundiam com as medusas e sereias, num jogo, só compreendido por quem ainda tinha os olhos abertos de espanto.

Os anjos da guarda das crianças (felizmente, cada uma de nós tinha o seu)
acompanhavam alegremente as nossas terríveis aventuras, de fugas em pequenos botes de madeira ou em colchões de borracha, transfigurados em caravelas, desafiando os monstros marinhos...explorando grutas de piratas, onde os tesouros esperavam por nós.

Nas arcas mágicas (baldes de plástico transportados com todo o segredo) guardávamos então os tesouros, que escondíamos bem fundo na areia tão quente, por trás das muralhas do castelo (ou atrás das barracas do Sr Serafim...).

Éramos os reis do mundo, piratas bons, que apenas roubavam ao mar o que ele generosamente nos dava.

Findo o jogo, era tempo de procurar refúgio, não fosse o Cabo do Mar (na sua farda brilhante e intimidadora) descobrir as nossas pilhagens.

Confesso, que este medo me fazia abandonar os meus companheiros e correr pela praia fora, corpo franzino e ágil, coberto com uma pequena tanga, (ainda não chegara o tempo de cobrir pudicamente o corpo de mulher que se avizinharia), cabelo comprido e molhado que se colava à cara, mergulhar no mar que me acolhia e depois rebolar na areia branca e quente até ficar disfarçada, irreconhecível, como os índios mascarados de areia...

Agora sim.... estava quase a salvo. Faltava apenas chegar àquele toldo branco onde ele estava deitado numa cadeira de lona, lindo na sua camisa branca e calças cinzentas, boné de lobo do mar... e enorme como um gigante protector dos pequenos piratas.

Eu chegava ofegante... sentava-me à sua sombra, que me cobria toda e sentia o seu cheiro... quente e doce... cheio a pai... misturado para sempre com o cheiro a coco dos bolos do Sr. Embaixador e da maresia que se entranhava nos nossos cabelos. As mãos grandes de pai limpavam-me então as costas suavemente, sacudindo a areia que se colara à pele como um vestido.. e eu oferecia-lhe um tesouro que roubara ao grupo. Um búzio... por onde ambos ouvíamos o mar lá ao longe... onde não havia mais ninguém, a não ser nós dois.

Não eram precisas mais palavras... os outros, os mais velhos, quando chegavam, das suas aventuras de gente grande, traziam os gritos da adolescência, roubavam-me o meu príncipe encantado... que nos amava a todos, com a sabedoria de quem sabe amar...
O meu momento terminara... mas ficaria para sempre a cor da sua camisa branca e o seu cheiro doce de ternura.
 
quinta-feira, janeiro 15
  Fim de tarde


s/t
de Zacarias Pereira Da Mata


devolvo ao mar o cansaço dos dias
e espero que de novo às estrelas do mar
cresçam novos braços
e deixo que se prendam aos meus dedos
como beijos de sereias que nunca vi

devolvo ao mar o cinzento dos teus olhos
e espero luminosa as tuas mãos
no meu cabelo molhado de chuva
e deixo que o abraço
seja o mais longo dos teus dias.

devolvo ao azul as tuas cores
e deixo a seda da espuma
enfeitar de novos espantos
os meus dias de encantos.
 
terça-feira, janeiro 6
  Viagens



foto de BrigitteCarnochan


dás-me as tuas palavras
e partes numa ausência que anuncias breve
partes por atalhos que não conheço
por veredas que são tuas
por caminhos que não partilho
por terras que nunca vi...

eu não tenho terra.
tenho por terra o meu corpo
onde dormem as minhas paixões
onde repousam os meu amores
onde descansam as minhas memórias

as minhas palavras são o corpo dos teus sonhos
e as tuas partidas serão vindouros regressos
idas e chegadas somos nós, tu e eu...
sempre volúveis como a água de um rio
sempre presentes como o leito de um rio
sempre constantes nas madrugadas que já se anunciam...

seremos noites e alvoradas
sempre renovadas, sempre espantadas,
na magia das palavras ainda e já tão ditas
enquanto o mistério da existência nos consumir
em labaredas impossíveis de nos queimar,
em chamas fumadas
em calores de um verão
que se oferece, como uma fêmea no cio
reinventando a magia de amar.
 
segunda-feira, janeiro 5
  cegueira anunciada




encosto a testa ao frio. um sopro rápido assusta-me um dos olhos. depois o outro. castanhos os dois. grandes como lagos sem lágrimas.

cegueira anunciada, seria o título do argumento.

fecho os lagos que de tanto chover se tornaram já azuis. vejo o branco anunciado. imagino que há outras formas de olhar. percorro o teu corpo com os meus dedos ainda quentes.

toco-te mais uma vez de olhos abertos. a partir de agora esperarei pela visão digital.
 
sexta-feira, janeiro 2
  acredito no amor

nunca serei constante nas emoções
acredito no amor
nunca serei coerente nas paixões

sei da tua pele a tocar na minha
sei do teu desejo de palavras depois do prazer
sei das tuas solidões cheias de gente
sei dos meus vazios prenhes de sol poente

sei que te toco por cima das palavras
que me beijam como lâminas, enfim
sei que me tocas por debaixo dos lençóis
que me afagam, feitos de seda e setim

acredito no amor
ainda não desisti de ser tua
acredito no amor
serei minha e para nós nesta noite de lua

sei das minhas noites de insónia tanta
sei dos teus dias compridos de solidão
sei das minhas horas de loucura branca
sei dos teus momentos tantos de paixão

acredito no amor
sei do ciúme dos corpos ausentes
acredito no amor
sei das dúvidas dos silêncios carentes

sei que estás comigo agora, meu amigo
sei que estás em mim alma agreste
sei tudo o que nunca soubeste
sei como beijas o meu corpo, teu abrigo

acredito ainda no amor
acredito ainda na paixão
loucura fantasia emoção
acredito nos meus sonhos de ilusão.

 
  Beijo



num dia de paixão dei um beijo à chuva....

ela gostou tanto que continuou a molhar-me toda
 
Uma mulher na corda da roupa sem rede, debitando sonhos, tretas e outras coisas sem interesse geral

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