Mulheres em Chamas
sábado, abril 10
  O Tempo das Esplanadas

Gosto de esplanadas.
Também gosto de ver pessoas felizes, ou a sorrir a felicidade que é só deles. Para o meu cenário, essa diferença, não importa.
Escolho uma mesa vazia e sento-me na cadeira da cor mais musical que encontro. Não tem nome, esta cor, pois não existe ainda na minha palete.
Olho em volta e vejo gente a passar pelo meu dia.
Leio um livro muito bonito que conta o amor ou amizade, para a estória o sentimento é igual, entre duas pessoas que habitam mundos que não se tocam.

O toque da pele. Um beijo de olhos fechados. O calor dos corpos. Solidão.

Num futuro qualquer, seremos todos telepáticos. Será mais fácil ouvirmo-nos a pensar, mas o ruído de fundo será ensurdecedor. Seremos máquinas andantes de comunicação à distância. Roubei esta ideia e guardei-a para um dia de sol.

Poiso o livro na mesa, faço calar de vez o telemóvel e oiço agora apenas as personagens em que foco a objectiva.

Primeira fototelegrafia – homem vestido de fato cinzento e gravata tão aborrecida como a cor do dia. Oiço o seu pensamento feliz – tenho vinte anos, o mundo na mão, hoje vi o sol numa colina da cidade feita de mouras encantadas. Respondo-lhe telepaticamente, bem hajas pela alegria e deita fora essa gravata.

Outra fototelegrafia – mulher ainda jovem, apressada, segura dos passos que a levam ao destino escolhido. Traz crianças ridentes a tiracolo e diz-me dos sonhos que não morrem, das alegrias pequenas de ser mulher, dos poemas encantatórios que traz dentro da alma. Não preciso de responder, o meu pensamento voa em imagens de filmes de culto.

Actualizo a máquina. Foco e faço zoom. Uma alma ouve-se acima do ruído de fundo. Deseja impossíveis, digo-lhe, tudo é nosso no reino das alegrias. Deixo escapar um verso solto “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” (Pessoa, mensagem). Ela conhece o poema, está inscrito na memória colectiva mais profunda. Ambas trauteamos o Veloso e sorrimos sem olhar uma para a outra a cumplicidade da telepatia.

Oiço mais uma vez o SôZé que me diz do fundo das palavras já ditas, “o dia está em todo o lado...”. olho para lá do cenário, oiço-me agora por cima das vozes.

Estamos irremediavelmente ligados no dia em que a esplanada abriu.
 


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Uma mulher na corda da roupa sem rede, debitando sonhos, tretas e outras coisas sem interesse geral

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