Mulheres em Chamas
a segunda preda de natal... para ti
como uma prenda
faço uma tatuagem
serve o meu corpo de papel branco
uso o teu desejo como tinta preta
deixamos a tinta tatuar
a calma das minhas cores
faço do teu negro
a pintura dos meus dias
uso o perfume da cera
que inscrevo no meu corpo
cravo o estilete que perfura
na pele que será tua
como uma prenda
faço uma tatuagem
a cores
sem som
com dores
tão bom...
FOTO - Man Ray
Le Violon d'Ingres, 1924
a primeira prenda de natal.. para mim
já não me apetece escrever
já não me apetece usar o cartão de crédito
já não me apetece trazer coisas para casa
já não me apetecem os objectos brilhantes
já não me desejam os laços de fita
já não me seduzem os papéis coloridos
já não me apetece escrever
gostava apenas de saber pintar
fotografias a preto e branco
nos dias em que as cores sejam intensas
e encher o meu espaço em branco
de azuis, verdes, anis, violetas
já não me apetece escrever
vou comprar uma daquelas digitais
em que não precisamos de medir a luz
nem a focagem nem o ângulo
nem pensar o enquadramento
quero uma daquelas que
transformam o nosso olhar
e me dão a imagem perfeita
do meu desejo
já não me apetece escrever
só tenho de encontrar uma digital
que não tenha cores já configuradas.
prefiro inventá-las eu
e fazer delas o meu foco de luz...
à minha maneira...
Poema de amor com cidade e rio ao fundo
Volto às vielas antigas onde as palavras já foram gritadas
Becos e ruas formam o palco de um história sonhada
Inventei um amor, e dele dei conta à minha cidade.
Murmurei-o ruidosamente, sempre pela calada da noite.
Passeei na calçada portuguesa.
E roubei uma linha ao Poeta -
A minha Pátria é a Língua Portuguesa.
Agarrei nessa linha e cosi-a ao meu vestido de organdi. Coloquei-lhe uma estrela na gola. Vesti-me de Festa.
Desci a travessa inclinada, com o azul no fundo dos meus olhos.
Naveguei num veleiro com gaivotas por tripulação, olhando para a foz de todos os rios. Este, que me ama e me chama, é apenas - O rio que passa na minha aldeia -
Na outra margem da cidade
Navegas, para te perderes, um olhar que se encontra com o azul quase lilás que trago de outros lugares.
Vejo-te mergulhar no desejo do abismo.
Apanho-te no salto e embalo as tuas tristezas suaves em ternuras dos gritos dos golfinhos.
Já não há margens. As cidades desapareceram. Fica-nos o mar.
Nenúfar
espaços em branco
sento-me cansada na cadeira que me respira
abro a janela exausta de chuva e de vento
fumo pela última vez o derradeiro cigarro
que me matará de tanto que mo afirma
enrolo-me em metáforas já gastas
tão doces como um feto morno
num ventre feito de amor
escondo-me na cortina do fumo mortal
que me envolve em nevoeiro e bruma
pano vermelho com aroma a memórias de infância
aquece-me os dias que se perdem do sol
alimenta-me de sustos e medos
tento respirar dentro de água
serei nenúfar de romance surrealista
morrerei de sede
por não saber onde fica a nascente dos sonhos
deito-me na nuvem que invento
branca
espaço em branco que existe ainda (dizem)
por inventar
O prazer
o teu prazer repousa no meu corpo
espera pelas manhãs de gargalhadas
o teu prazer não tem pressa
aguarda o meu sorriso
feito de dias de ontem e de hoje
o teu prazer invade-me os dias
afoga-me de águas claras
suga-me as energias
mantém a minha rede à tona do mar
o teu prazer leva-me longe
viajo com rumo
seguro o meu leme
o barco é feito de madeira
o barco é feito de memórias doces...
o meu barco não é meu.
o teu prazer repousa na minha alma
na doçura do meu ventre
na seda dos meus lábios
na surpresa dos teus dias.
memórias do presente
oferecer-te o meu perfume
embrulhado em papel de seda
translúcido guardião da minha alma
espelho da pele
em chamas
corpos brancos
vozes em tráfego
sons em linha
oferecer-te um corpo de luz
num dia cinzento de tons e sons