Mulheres em Chamas
sábado, abril 24
  Vestiu-se de bandeiras. Foi buscá-las às arcas mágicas da juventude.
Chegaria tarde.. tão tarde e tão cedo. Viu-se no espelho, menina em botão, mulher de flor vermelha na mão cerrada como uma arma de raiva e de desejo de liberdade.

O espelho sorriu benevolente... “onde vais passionária? onde levas essa flor gasta de sentidos, farta de solenidades, já acabou a tua festa, já se ouviram os foguetes politicamente correctos criados por jovens pirotécnicos que perdem mãos e braços e vidas na tentativa de oferecer estrelas a quem não as tem no coração...”

Olhou serena para o espelho... despiu as bandeiras. Guardou-as amorosamente junto da flor de laranjeira que usara um dia no cabelo e na alma.

De relance viu uma casa. Camas por deitar. Pesadelos a sossegar. Viu o medo que tinha de apaziguar. “Já não nos tirarão a meio da noite da seda dos lençóis. Já não há medo... Nunca viste isso, meu filho. Sonhas com o passado que foi de outros homens. Não será o teu futuro. Dorme meu coração...”

Os tempos já não são de medo dos homens que chegavam sem nome. Os tempos são de amar. O Tempo é de perceber que as feridas se curam com beijos e sorrisos. O Tempo é de saber que as cicatrizes são mais bonitas que as tatuagens feitas a frio. As nossas tatuagens são na alma... e marcadas a quente. São a nossa estória.
 
sexta-feira, abril 16
  Sombra

sou a sombra nos meus sonhos enquanto os sorrisos dormem agitados
reduzida a palavras que me prendem à imobilidade dos sonhos
corpo imóvel, em sufoco gritado e mudo
charco inundado em memórias partilhadas
alma devassada nas noites de solidão
memórias que não me são leves
assim, em pesadelo.
 
sábado, abril 10
  O Tempo das Esplanadas

Gosto de esplanadas.
Também gosto de ver pessoas felizes, ou a sorrir a felicidade que é só deles. Para o meu cenário, essa diferença, não importa.
Escolho uma mesa vazia e sento-me na cadeira da cor mais musical que encontro. Não tem nome, esta cor, pois não existe ainda na minha palete.
Olho em volta e vejo gente a passar pelo meu dia.
Leio um livro muito bonito que conta o amor ou amizade, para a estória o sentimento é igual, entre duas pessoas que habitam mundos que não se tocam.

O toque da pele. Um beijo de olhos fechados. O calor dos corpos. Solidão.

Num futuro qualquer, seremos todos telepáticos. Será mais fácil ouvirmo-nos a pensar, mas o ruído de fundo será ensurdecedor. Seremos máquinas andantes de comunicação à distância. Roubei esta ideia e guardei-a para um dia de sol.

Poiso o livro na mesa, faço calar de vez o telemóvel e oiço agora apenas as personagens em que foco a objectiva.

Primeira fototelegrafia – homem vestido de fato cinzento e gravata tão aborrecida como a cor do dia. Oiço o seu pensamento feliz – tenho vinte anos, o mundo na mão, hoje vi o sol numa colina da cidade feita de mouras encantadas. Respondo-lhe telepaticamente, bem hajas pela alegria e deita fora essa gravata.

Outra fototelegrafia – mulher ainda jovem, apressada, segura dos passos que a levam ao destino escolhido. Traz crianças ridentes a tiracolo e diz-me dos sonhos que não morrem, das alegrias pequenas de ser mulher, dos poemas encantatórios que traz dentro da alma. Não preciso de responder, o meu pensamento voa em imagens de filmes de culto.

Actualizo a máquina. Foco e faço zoom. Uma alma ouve-se acima do ruído de fundo. Deseja impossíveis, digo-lhe, tudo é nosso no reino das alegrias. Deixo escapar um verso solto “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” (Pessoa, mensagem). Ela conhece o poema, está inscrito na memória colectiva mais profunda. Ambas trauteamos o Veloso e sorrimos sem olhar uma para a outra a cumplicidade da telepatia.

Oiço mais uma vez o SôZé que me diz do fundo das palavras já ditas, “o dia está em todo o lado...”. olho para lá do cenário, oiço-me agora por cima das vozes.

Estamos irremediavelmente ligados no dia em que a esplanada abriu.
 
segunda-feira, abril 5
  Ecos e reflexos


Fotografia


- e seu eu voasse pela minha janela fora? e se eu dançasse o tango?, e se eu escrevesse um poema esta noite?

- se o fizesses de noite eu via-te reflectida na lua

que fenómeno estranho e mágico acontece quando duas pessoas trocam olhares, através de palavras soltas, de signos inidentificáveis e de símbolos plenos de significado, rodeados por um silêncio ensurdecedor?
sem verem a cor dos olhos, os gestos das mão, o ondular do cabelo, o sorriso que se adivinha, vêem-se apenas reflexos...e vemo-nos então ao espelho.
reflexos de nós no outro. reflexos do outro nos nossos lábios que dizem baixinho palavras indizíveis. reflexos que pintamos com as cores da nossa alegria, com as sombras da nossa tristeza, com as luzes do nosso ser.

- fa-lo-ei de noite (se houver vento) e ver-me-ás reflectida na lua da tua janela
 
sábado, abril 3
  Vês através de mim como se fosse cristal


Fotografia 
Uma mulher na corda da roupa sem rede, debitando sonhos, tretas e outras coisas sem interesse geral

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