Mulheres em Chamas
domingo, novembro 23
  Ilhas de Bruma 2

e depois é só a magia que a bruma esconde

e antes foram os sorrisos das gentes das ilhas
e antes foram as postas de tubarão que se deixa comer encantado
e antes foram tantos arco íris que quase davam para exportação
e antes foram o azul e o verde e o negro do basalto
e antes foi o calor da terra que quer explodir em ondas de desejo

e depois é a cantiga dolente em voz cristalina
das filhas das ilhas de bruma
onde as gaivotas vêm beijar a terra

e depois é o aroma que nos envolve
e depois é a magia que nos transporta para outros mundos
e depois é a saudade de quem ainda não partiu
e depois é este mar que nos separa e nos une
para sempre
ilhas de bruma, ilhas de paixão
morro sempre no calor da bruma
renasço no silêncio da minha solidão


 
  Ilhas de Bruma 1



era o Espírito Santo
único na devoção das gentes
crentes, devotos de amores
de joelhos e olhos fixos na imagem
que nos faz pensar em tantas dores

não vi um homem na ilha
não vi uma mulher à beira da falésia

vi gente como eu, ilhéus, filhos da bruma
sós na sua insularidade
companheiros das nossas solidões
irmãos de destino vulcânico
nesta jangada de pedra
que navega pelo oceano perdida
descendente da Atlântida esquecida

sonhos de magia e encantos de mitos
sabemos todos que não estamos nunca sós
porque conhecemos a palavra saudade
e saboreamo-la no chá da na Gorreana
onde as operárias passam os seus compridos dias
a aromatizar os sabores dourados da nossa vontade
 
segunda-feira, novembro 17
  Uma Prenda


Carta a um amigo que estava triste

encontrei-te um dia por aí
estavas triste sem razão
procuramos juntos as razões
que nos gritavam os corações
tentamos uma nova rima
juntos fomos a cor da manhã
juntos éramos a maresia e o acordar da cidade
juntos abraçamos o Outono
e juntos rimos da falta de razões
que justifica o lamento dos corações

procurei novas metáforas
alegorias, rimas e rendas
guardei tudo em caixas mágicas
para as transformar em prendas

encontrei-te outro dia por aí
estavas triste com razão
da tua tristeza não me disseram as palavras
da tua alma deu-me o bater do teu coração

não encontrei novas rimas
não aprendi novas metáforas
mas sei da tua tristeza
que envolve a minha mágoa
e não tenho caixinhas para oferecer
apenas uma foto à minha mesa
que me segreda…
uma prenda,
tão simples como a beleza


 
sábado, novembro 15
  O Corpo

corpo de lua
desejoso do dia em que se torna pleno
corpo de mar
sedento da maré cheia
que traz com os búzios carícias sonhadas
sussurrando baixinho gemendo na onda que beija a areia.

corpo de seda
concha devoradora que te acolhe
corpo em chamas
pirómano ao teu toque suave

seguro o teu mastro a pino
sou a tua vela que se enrola
e desenrola
transformada em língua
da minha cor do desejo

no silêncio dos mar de espumaa
lençois alvos ainda
oiço-me-me no meu silêncio, iço-me no teu mastro
navego-te, montando a tua aventura
fecho os meus olhos de espanto
sabe-me a boca à tua aventura por outros mares
desejo o meu final no teu, em fugaz e imensa união.

recebo o teu espanto no meu corpo
sou o teu orgasmo, a tua espuma
os lençóis são o meu oceano
coloridos agora de memórias de paixão.

 
  Intervalo

de boas intenções está o inferno cheio...
de boas ideias andamos nós cheios...
de boas realizações enchemo-nos de orgulho e amor

Projecto Cais

Todos os números são uma surpresa. O de Outubro foi algo de fantástico

 
sexta-feira, novembro 14
  Memórias 3



da alegria breve das pontes mágicas que nos levam de nós para o outro

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:

Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro.



até encontrei o meu retrato a sepia


 
  Memórias 2

dos aromas indizíveis de cores em tom pastel partilhados em corpos de azul

 
  Memórias 1



do dia em que as flores de cheiro foram prenúncio de frutos coloridos.
A laranja 
segunda-feira, novembro 10
 

A Lua

Hoje conheci uma pessoa lunar
uma daquelas pessoas que passa por nós na rua discreta como uma flor de campo com um aroma de silêncio

nos dias em que a lua se torna mágica
as pessoas lunares povoam-se de magias secretas

abrem os sorrisos
vestem os corpos de véus transparentes
e soltam as fadas da infância.

Hoje conheci uma pessoa lunar
é uma criança mulher
linda, só linda, apenas linda

mulher em chama
mulher a crescer
menina a despontar

quer ser plena
quer ser mãe
esse seu corpo perfeito de bailarina
esse corpo de sedução e prazer
quer ser o berço de uma nova vida.

Nunca lhe contarei que os corpos perdem a graça de uma garça
nunca lhe direi que um filho dói por dentro como uma chaga.

Apenas lhe direi
a tua luz branca da lua
será a estrada do teu filho por vir
serás menos ágil
mas o teu filho será o fruto da tua beleza.




 
domingo, novembro 9
  O vagabundo que sempre será algo mais



El momento que más amo
(Escena final de Luces de la ciudad)


Boa noite vagabundo das estrelas

Hoje venho sozinha. Passei por aqui apenas pelo cheiro do chocolate.

E pelas fotografias de paixão
Na minha caixa de papelão havia o aroma a chocolate quente. Tirado de um filme de Chaplin em que eu era a rapariga das violetas e ele era o cavaleiro andante que me tirava da chuva.

A rapariga das violetas chorava de solidão. Ele era apenas um vagabundo com alma de poeta.

Apaixonámo-nos, sabe? Foi numa noite como esta, em que as estrelas eram apenas luzes brilhantes no céu e nos faziam sonhar com paixões eternas. Durou um segundo...

Agora cresci. Já leio jornais. Já vejo filmes a cores.

E já li coisas como estas, luminosas e loucas:

"No futuro o Universo será muito frio, muito calmo. O Universo continuará a expandir-se, continuarão a formar-se galáxias que, às tantas, vão começar a atrair-se umas às outras, por causa da atracção gravítica, e entrar em colapso.(...) No fim o que fica? Uma luz muito, muito ténue, muito escura e mais nada"
Pedro Gil Ferreira
Perderemos o brilho das estrelas. Entraremos num buraco negro.
Boa noite vagabundo. É sempre agradável pensar alto
 
  o arco íris



Passei o dia todo à procura dele.
Corri léguas de asfalto...
Desbravei florestas em perigo... (delas ou meu?)

Atravessei estradas sem passadeiras...
Guiei sem o cinto de segurança...
Estacionei em locais proibidos...
Ultrapassei barreiras de silêncio...
Tive uma multa por excesso de optimismo...
Vi sorrisos quase felizes...
Ouvi quase um lamento e mandei-o calar..
Fiz malabarismos para conseguir uma imagem aceitável...

Escrevi uma frase quase, quase...
Imitei os profissionais...

O lamento já era um riso...

Fui palhaço de circo...
Empurrei os choros para dentro das caixas negras dos aviões que estão ainda em terra...

Rasguei a multa, porque estava molhada de lágrimas de chuva...

Olhei para o relógio.. apenas uma vez. O Tempo tinha de ser meu hoje...

Amnistiei as ansiedades...
Bebi trinta cafés e fumei outros tantos cigarros às escondidas dos radicais...
Apanhei chuva, molhei a alma e o corpo...
Sei que vou escrever o todo da frase... Falta apenas um ponto ou uma vírgula.. coisa pouca...
Não desisti...
Fiz uma pessoa feliz...
Respirei fundo... tinha o dia ganho?
 
  Os Palhaços



Aplaudiremos no fim
de pé, se for o caso.
Já estivemos em silencio tempo demais
imóveis a assistir
ao espectáculo das vidas que
saem do circo de três pistas.

os olhares dos espectadores
tornam-se danças, malabarismos,
são participantes
do número que terminará em triplo salto...

somos artistas em piruetas
saltamos pelo centro dos anéis de fumo
que cuspimos depois do cigarro, com desdém
sem conhecermos a presença dos outros

que de tão real
dói como as reguadas nas mãos...
dói, como o surrealismo que foi a nossa escola.

loucos.. somos todos nós nos sonhos que inventamos

sãos.. seremos todos os dias nas manhãs que nos empurram para o azul dos dias.

tu poeta, palhaço das nossas vidas
estarás sempre só
no teu desespero da tua cama solitária
povoada de memórias de terras e cores quentes....

mas estarás sempre acompanhado pelos sons que
invadem o azul dos teus e dos meus dias.

ouve-se ao longe Leonard Cohen
In My Secret Life
 
  O Pai

chegavas envolto em luz e calor
trazias na roupa o aroma a verão
transportavas a mala carregada de cores macias
usavas os teus olhos cinzentos como a última cor da moda
abrias o sorriso doce nunca caixa de trouxas de ovos
pousavas as mãos brancas nos meus sonhos cor ainda de nada
eras a surpresa anunciada
eras o desejo cantado baixinho
eras o sol que enchia os meus dias de espanto

as tuas prendas eram carícias que diziam amo-te pequenina

amo-te pai

 
  Voz



esta é a minha voz.
o baton é novo.
o som estridente faz parte do meu silêncio.



este é o meu enxoval feito de sonhos de renda

 
sábado, novembro 8
  Diálogo em paralelo perfeito, como as linhas de comboio.

Espaço apenas onírico, apenas paralelo


Man Ray


X - roubo as tuas palavras, apenas palavras, deixo passar os profetas, apenas poetas, olho-me ao vidro apenas espelho da minha vaidade, olho em frente e não vejo o infinito.
Y - ao invés, eu apanho o comboio da imaginação, o que do oriente me sabe a paisagens desvairadas de cor, voo no desconhecido de mim, já tenho bilhete. Galgo montanhas e regresso sempre bela, no meu caminho sem certezas , mas com a verdade na ponta das dúvidas.
X - desconheço as tuas pegadas que doiram a areia, olho apenas a minha sombra
Y - olho em volta e aprendi que brincar é a coisa mais séria do mundo, sou clara como uma aguarela de tons suaves, dou boleia a quem não sabe viajar.
X - faço o meu caminho em exercício de estilo, sou igual a mim próprio, avanço por aqui em direcção a mim, sei que não vou por aí
Y - sou tão só e tão precisa, tão necessária e tão efémera como as estrelas que a minha melodia não se cansa de tocar, sou de alma e de corpo
X - estou só entre a gente, escondo o que não sei mostrar, estou longe, estou perto? amo o intocável, se mostrar a minha alma partirei o vidro e o meu reflexo cairá em mil pedaços de espelho, se o espelho se partir, cegarei a tua vontade de ver o que eu nunca vi.
Y - amo a multiplicidade do espelho intacto, amo o espaço onírico onde o meu reflexo me devolve os risos e as lágrimas que oiço no fim dos meus dias, amo aquela folha pratada que transforma a superfície fria do vidro em espelho mágico, amo os palhaços e as fotografias que se tiram sem máquina, amo o papel de seda em que embrulho a vida.
X - roubei as tuas palavras e nada ouvi
Y - roubei-te o reflexo no espelho e deixei a tua alma no vidro

 
sexta-feira, novembro 7
  Diálogo a cores II

Cor - Impressão particular que causam no sentido da vista os diferentes raios luminosos, simples ou combinados, quando reflectidos pelos corpos.

- qual é a tua cor preferida?
- já me deste tantas, para quê acrescentar mais tonalidades às tuas?
- libertaste-me do cinzento, iluminaste o meu branco cego de não saber ver.
- és a minha folha nova de papel, desenho em ti o meu desejo de provar novas cores.
- crias em mim uma paleta de risos e sons, pintada e colorida em desvarios do teu branco intenso.


 
quinta-feira, novembro 6
  Feiras e vaidades

Passeio pela cidade I

Olhar as montras brilhantes onde as luzes se perdem
entrar na feira onde tudo há

a vida que somos
os sonhos que beijamos
as cores que inventamos
os olhares que nunca arriscamos

levar tudo para casa
enfeitar o corpo de tatuagens
e guardar as joias dentro do peito


 
quarta-feira, novembro 5
  Diálogo a cores



Já passei por aqui hoje.
Senti o cheiro dos barcos ao fundo do cenário e fui lá.
Ao azul, que de tão cinzento se torna tão longe.

Um dia encomendaram-me um texto:

- Escreve sobre um cais, sobre as partidas e chegadas - disse a voz macia
- Ainda não parti, ainda não cheguei, disse eu
- Parte comigo, para chegares a ti, disse ele
- Partirei de ti, e só então, chegarei a mim, disse a voz parecida com a minha e que já partira para lá do azul....

Como os barcos não navegam sozinhos, ainda não cumpri a encomenda.
Fica para o dia em que os prédios me devolvam ao cais.

 
Uma mulher na corda da roupa sem rede, debitando sonhos, tretas e outras coisas sem interesse geral

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