Mulheres em Chamas
quinta-feira, fevereiro 26
  Quarta Feira de Cinzas

As cinzas

Noite fria e cheia.
Noite plena de comunhão de sermos todos o mesmo.
Cumprido o ritual, olhamo-nos nos olhos da noite. Em dias de festa a sério trouxemos todos os demónios que nos habitam à rua. Mostramos as máscaras de que nos alimentamos. Exibimos os fantasmas, as fantasias, os sonhos inconfessáveis.
Fomos tudo o que já somos sem o saber. Passeámos a nossa alma, despimo-la na rua despudoradamente.

Noite fria e plena de sombra e brilho. Enterrámos o Carnaval. Explodimos o seu corpo em som e cor alucinante. Extasiamos mais uma vez com as estrelas que nos aquecem a alma e nos iluminam o olhar.

Noite. Calma. Paz. Amanhã todos poremos a máscara de novo. E voltaremos a não nos conhecer no cinzento das ruas limpas de plumas e luzes brilhantes.


 
terça-feira, fevereiro 24
  Carnaval II
dias e noites de todos os excessos da alma


não há medo nas ruas, não há mágoas pelo chão
não há o cinzento do nevoeiro que nos invade pelas manhãs adentro
não há o bom dia boa tarde nem o aperto de mão mole e frio
não há a máscara da doutora. essa guardei-a para daqui a nada, quando me fizer falta.

nestes dias e noites de todos os excessos, há tudo o que se deseja
invento as minhas cores, as minhas magias as minhas fantasias assustadoras ou belas ou feitas de almas que vou compondo ao longo dos tempos de ser.

e rolam pelo ar plumas multicores
voando pelo meio do fumo excessivo dos cigarros
e navegam pelo meu rosto pássaros e flores e cores
gargalhando pelo meio do álcool bebido para além da sede
e comungo sorrisos cúmplices com desconhecidos
dançando lado a lado com quem se entende porque somos iguais

e eu entro no delírio de ser mais uma cor
no meio do corso multicor
e deixo-me embalar pela ondulação dos braços pendentes
dos bonecos grandes como o mundo
e deixo-me encantar uma e mais outra vez pelo troar ancestral
dos Zés- homens-meninos fantásticos na sua força de fazer música que nos invade
o corpo e a alma.

A todos. A festa é nossa. A festa está na rua. O ritual está cumprido.



FOTO de - Michael Barnes

 
segunda-feira, fevereiro 23
  Magias....

gosto de ser o teu amor nas manhãs de palavras poucas
gosto de me vestir de vermelho para os poemas que desenhas
gosto de colorir os teus dias com os meus sorrisos infantis
gosto de te dizer em surdina palavras mágicas e proibidas
gosto de te saber renovado nas magias que te invento
gosto de cheirar as rosas que me ofereces todos os dias
gosto de te reconhecer por detrás das máscaras que pintas para mim
gosto de te existir nos dias que são meus
gosto de me ser para ti
gosto de sair de casa dançando na esteira do teu barco
gosto da tuas palavras da tua ânsia do teu desejo
gosto de me reinventar no teu amor.

Sonho com uma janela aberta para um jardim que voa por cima da cidade que me abriga. Cidade que eu amo em cada pedra em cada esquina em cada voltar do meu olhar. Sonho com um rio que deixa traços de azul no meu caminho. Sonho com todas as paixões que já foram vividas e com todos os amantes proibidos. Sonho com os teus beijos de loucura pura nos meus dias de amanhã.
Sonho com janelas abertas por cima da cidade. Sonho com pássaros que falam. Sonho com o teu sorriso de ternura. Sonho com o teu abraço de paixão sem palavras.

E pinto-me de jardim esta noite ainda mais fria e mais mágica…
 
  Carnaval

Há dias em que pensamos com a alma e com o corpo.
Há dias de magias assumidas.
Há dias em que cumprimos rituais e tiramos a máscara que usamos todos os dias iguais.

Carnaval. Carne vale. Vale sairmos de nós. Vale ser tudo e todos.

Carnaval. Momentos de magias puras, pequenos momentos em que nos travestimos, em que tomamos novas formas e novas cores, trazendo para o exterior fantasmas, poemas ou desejos calados, fechados em gavetinhas por arrumar.
Somos todas as formas, somos a mulher feita de sedução, o palhaço recheado de sonhos, os heróis fantásticos feitos de poderes mágicos, somos o filme visto por dentro dos nossos olhos.
Olho para dentro, olho para mim, visto-me de hipérbole até ao último estalar dos foguetes no céu.
Será apenas na quarta-feira. “Para tudo se acabar”.


FOTO - Mario Pereira
 
segunda-feira, fevereiro 16
  Um dia renovado uma madrugada desejada



ofereço-me esta manhã Lisboa, o Tejo e uma escada de caracol...

ofereço-me um castelo encantado para além da minha cidade

ofereço-me o silêncio das tardes madrugadoras em abraços primeiros

ofereço-me o tempo que ainda tenho no eterno relógio de sol

ofereço-me a estação rendilhada do comboio que não passará por aqui outra vez

ofereço-me a novidade de existir e de me espantar em cada nova madrugada

ofereço-me as estátuas de pedra nos jardins dos telhados com vista para a cidade e que ganham vida com as tuas gargalhadas e que de frias se fazem de carne com os meus sorrisos, em abraços de cumplicidades de que é feito o caminho dos corpos

ofereço-me novas palavras embrulhadas em prendas festivas

ofereço-me a tua alegria

ofereço-me em sonho no teu dia novo de outras luzes

ofereço-me assim

ofereço-nos esta manhã Lisboa, o Tejo e uma escada de caracol...
 
  NOTA DE RODAPÉ

Hoje uma pessoa falou em sintonia com a minha voz. Habitualmente falam dezenas de pessoas comigo por dia. Hoje uma não falou, apenas, disse. Eu ouvi. Há poucas pessoas que eu oiço. Na volta oiço pouco. Na volta oiço o necessário. Na volta oiço melodias de amor. Hoje tu disseste-me. E eu ouvi.

Todos as palavras que aqui deixo não são minhas. São apenas palavras que os outros escrevem sem querer na minha alma.

T.
 
domingo, fevereiro 15
  Álbum de Família

Fotografia a p & b com dois sorrisos ao meio

Faz hoje 13 anos que o meu pai me morreu. Estive zangada com ele durante muito tempo, exactamente por ele ter tido o descaramento de me morrer a mim. E por me ter morrido antes de conhecer o meu filho mais novo e antes de eu ter tido tempo de crescer e antes de eu ter podido mostrar-lhe o que aprendi com ele e por ter levado com ele a minha infância.
Os pais são os guardiães das memórias dos filhos. Eu ainda me lembro do seu sorriso, dos seus olhos cor de cinza, das suas mãos esguias e bonitas, da sua inteligência especial, das suas piadas, das suas tristezas.
De mim, ele já não se lembra de nada.

Já não estou zangada com ele. Tenho outras memórias para guardar. Agora sou eu a guardiã.
 
quinta-feira, fevereiro 12
  Cartas de Amor 1

Sempre que recebemos cartas de amor achamos que não as merecemos. Eu nunca percebo porque me amam. Ou percebo, o que vai dar ao mesmo. Apenas percebo o meu amor, nunca o dos outros.

Cartas de Amor 2

Guardo as minhas cartas de amor todas baralhadas. Depois arrumo-as em caixas de cetim. Cada uma em sua caixa, como tesouros indizíveis. E depois saboreio-as ao longo dos dias sabendo-me na vida de quem me ama até ao limite impossível dos seus sorrisos.
E saboreio cada palavra escrita como um copo de vinho tinto
encorpado
colorido
aromático
saboroso
doce.
A palavra que bebo hoje é Preciosa. Foi-me oferecida como prenda. Ser Preciosa torna-me a estrela do meu caminho
percorrido
novo
aventureiro
desconhecido,
que me devolve a mim.

As cartas de amor guardo-as na alma. Visto-as nos dias de festa. Visto-as nos dias em que me festejo.

Cartas de Amor 3

Agora escrevo eu.

escrevi-te um dia uma carta de amor
anda por aí perdida nos dias tristes
contava uma estória de bonecas
contava uma estória de lágrimas feitas de cristal
contava uma mágoa que era só minha
e tu puseste a mágoa no teu colo e levaste-a à tua janela
fotografaste uma dor minha em palavras novas
desenhaste os seus contornos a lápis de carvão
sublimaste o vidro soprado em frágil cristal
embalaste uma mágoa que não era já minha
soltaste alguns dos meus eus
abriste a porta

generosamente
graciosamente
delicadamente
amoravelmente

agora és tu
dá-me a tua mágoa
deixa-me soprá-la como um balão colorido
deixa-a voar até tocar o azul
faz dela uma fotografia a preto e branco


Foto - Eu não sou assim, pintaram-me assim
de Margarida Araújo





 
terça-feira, fevereiro 10
  Uma prenda

feita de suspiros, sabores, aromas

feita de corpos, almas

feita de desassossegos, inquietações, afectos

embrulhada em papel de seda da minha pele e enfeitada com os teus sorrisos

como um laço invisível até ao fim de nós.


FOTO - Man Ray

 
quarta-feira, fevereiro 4
 

Noite de lua cheia


nas noites de lua cheia
envolves-te nas palavras que usas
escondes-te nas luz redonda e branca
fazes do teu riso o meu imaginário
fazes da tua melancolia o meu tango
fazes do teu silêncio o meu samba
fazes dos teus desenhos a minha fotografia
fazes do teu ser o meu desejo
fazes de ti a ternura de eu ser

tão só como uma linha recta
 
Uma mulher na corda da roupa sem rede, debitando sonhos, tretas e outras coisas sem interesse geral

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