Mulheres em Chamas
sexta-feira, março 26
  Entre o sonho e a memória

pérolas de vidro

passeio pelos sons inventados
escuto as cores que sei de memória
procuro a caminho nas vielas encontradas
passo por uma esquina de voz conhecida.

ofereço-te a minha tristeza
peço-te um mimo
dás-me um afago
atiras-me um beijo
recebo o sorriso
desarmo nos teus minutos
pedes-me as minhas palavras
dou-te o meu silêncio, afogado em lágrimas....
retorno à luz da noite.

acordo para um sonho
e por ele me apaixono de novo.

espalhadas no soalho de madeira,
atapetado a sedas e organdis,
encontro as pérolas de vidro que chorei durante a noite.


Foto 
quarta-feira, março 24
  Âncora


passo pelos dias azuis de navegações atribuladas
inventando rumos, rotas e adivinhando as marés
mulher, capitão, soldado, ladrão,
serei todos eles sempre e só
ao leme da minha embarcação.

mar salgado, mar tão doce de espuma ondulada
que fala baixinho na ponta dos teus dedos
mulher de descarados sorrisos bordados a ouro
comandando tropas viris e brutas a eito
lutando contra legiões com o tédio no peito
pilhando estrelas que amealho como um tesouro.

tesouro de pirata...
cantiga de criança...
rei, capitão, soldado, ladrão, mulher, guerreira, tão...coração.

ofereço-te a minha imagem, escura e desfocada
captada sem arte nem ofício
devolves-ma envolta em luz e cor
e fazes da minha estrela o teu artifício.

parto de mim, parto do meu corpo
parto de ti, parto do teu peito
voltarei segura, voltarei para mim
formosa, segura e nunca presa
pela âncora que deixaste no meu porto.


Magritte 
  Caminhos


Perco-me por aí
encontro novas estradas
dou cabo dos pneus
da suspensão e da pintura

Galgo caminhos enlameados
chove nesta noite de lua
saio do carro
e as gotas que escorem pela minha face
são só feitas de água

As pérolas feitas de lágrimas
ficam para o dia
em que a magia da lua
tiver lugares sentados

Hoje fico de pé
e deixo-me possuir
apenas pelo branco do teu luar


Fugindo da luz
 
sexta-feira, março 19
  Pai

passaste por mim

ele passou por aqui...
deixou o seu aroma a tabaco doce....

visitei os amores passados
percorri os pontões desertos
olhei para mar
vi-me de tanga, nua, criança nos teus olhos azuis

os teu olhos, o branco de que te vestes
a pureza corrupta de que sempre foste feito
o sorriso canalha que de tão doce me fazia morrer
em todos os dias que te sentia a chegar a casa

o teu sorriso triste que de tão puro
e tão sábio
me conduz ainda hoje
quando uso o teu boné de capitão
na esteira do barco que veloz me leva
na vida do dia a dia
na aventura única do fundo dos meus sonhos

mar, sol, areia, flush, vitória do amor que me dás.
Amo-te, sem te nomear, não precisas de nomes.

apenas o meu

 
  Pai

Olhos de Azul

num dia de paz
regresso à praia do meu desejo
regresso à luz e à cor da alma que possuo ainda
retorno a mim, desço ao fundo do mar
mergulho no oceano da paixão.

procuro em nuvens de pó
arrisco estradas de areia quente
guia-me o som mágico das sereias
conduzo por cima das crateras lunares

chego enfim ao paraíso reconquistado

a praia acolhe-me, reconhece-me, sou bem vinda.

Eu a minha tribo estamos em casa. Neste areal encantado escondidos do mundo, estamos parados no tempo. Não há rádio, não há toques polifónicos, não há aromas intensos e tropicais, saídos de bisnagas compradas na grande catedral de superfície de consumo.
Nesta praia dourada, não há ouro à volta dos braços das mulheres, nem rolex enfeitando os pulsos dos homens. Nesta praia dourada, adornamos os corpos com o verde macio e viscoso das algas e usamos o perfume do iodo e da maresia. Cobrimos a pele de areia e deixamos que as ondas nos lavem os olhos.


e tu chegas ao ouro que se faz da areia amada pelo sol.
e tu vens trazido pelo azul das ondas que embalam o teu sorriso tímido
e tu vens sempre que o azul do mar é igual aos teus olhos
e tu vens e abençoas a minha tribo
que é a tua.

E estamos contigo na tristeza infinita desses olhos que tão bem conhecem a palavra amar.
 
  Pai

O meu jogo~

Mas por hoje só, deixem-me ser cínica. Perder e Ganhar são palavras que conheço há muito. São as regras do JOGO...

Vendo homens nervosos sentados a uma mesa de póker, numa sala com soalho de madeira, onde os meus passos não se podiam ouvir (devagar eu entrava no templo do amor do jogo)

Eu via...as palavras desenhadas no ar...perder significava a raiva, desilusão, o olhar distante.. o ódio do sol que viria uma nova manhã.
Ganhar era o triunfo de ter sido o melhor da noite, do dia, do mundo...

Para quem perdia, o sol nasceria morto no dia seguinte. Para quem ganhava haveria sorrisos de tons do sol que batia na areia na manhã alta.

Eu, infinita na minha transparência de olhos grandes que tudo via, ganhava sempre uma coisa neste jogo... uma ficha amarela e triunfante, que se traduzia numa guloseima, ou um beijo triste, que era tão mais doce... Ele nem sabia como...

Isto, era apenas um jogo...eu ganhava sempre... Eu não jogava...o Amor estava sempre lá...

Ainda hoje penso. O que quero? A Ficha amarela ou o Beijo doce?

Já agora... Ainda não tenho cores nestas letras que me batem nos olhos.
 
  Pai

A minha memória os meus olhos


povoas os nossos esquecimentos plenos de sons e cores
a tribo continua à tua procura
por entre florestas exóticas e tropicais
e mares turbulentos ainda por navegar

tu caminhas o azul dos teus olhos
avanças o destino que escreveste
nas linhas brancas da tua estrada
que sempre te acolheu

calo, suor e apenas o branco da tua camisa
aroma forte que inunda as almas pequeninas
assustadas, à procura de uma linha no meio da estrada

deixaste-me a missão de cumprir o teu azul
pego na minha palete de cores
misturo as lágrimas cor de cinza
com os sorrisos cor de gargalhadas
e consigo uma cor parecida com a tua

nunca será o branco da tua camisa
nunca terá a tristeza brilhante do teu olhar
nunca será o dourado da tua presença
nunca será a macieza das tuas mãos

a minha cor é doce
tão doce e suave que arranca um sorriso triste
misturei tão bem esta nova cor
que podemos hoje pintar uma tela em branco

hoje pintei um quadro poema para ti
e sei que sorris
como eu? cada um na sua cor?

 
  Pai

Em memória a ambos


Ele era caçador. Tinha vários cães, esbeltos e de pelo sedoso. Usava à cintura as perdizes que se deixavam apanhar.

Sei isto, porque roubei o momento a preto e branco disfarçadamente e guardei-o junto a outros momentos desfalecidos pelo tempo.

Um dia Ele passou a gostar de pássaros e dedicou-se ao tiro aos pratos. Isto sei pelas taças brilhantes que tirava das prateleiras quando ninguém via, e voltava a colocá-las cuidadosamente no sítio do espanador do pó; e pelos canários que esvoaçavam de vez em quando pelas salas fora, provocando ondas de amarelo deliciosas e gritos de zanga Dela. Ele também gostava de cágados que comprava aos montes e que desapareciam inexplicavelmente ao fim de poucos dias. (Mas não é dos cágados que se fala agora, essa estória será para um dia mais cinzento)

Ela detestava os cães, os pássaros, os cágados e muitas outras coisas Dele. Andei muitos anos para perceber de que coisas gostava Ela.

O último cão já não caçava. Era rafeiro e o maior gozo Dele era soltá-lo na praia dos meus desejos ao por do sol e deixá-lo correr que nem um louco. Era um cão pequenino, mas muito corajoso. Atirava-se aos cães grandes e eu morria de medo que o matassem.

Um dia o cão rafeiro ficou velhinho. Era a hora dele, toda agente sabia. Era de noite e o cão precisava de dizer adeus. Deitou-se no colo Dela, olhou-A uma última vez. Ela nunca amara aquele cão nem as corridas pela praia que lhe roubavam mais tempo e tempo de um tempo que nem ela sabia que se esgotaria um dia. Mas era ela que lhe dava de comer.

O cão rafeiro com nome de personagem de conto de fadas, deitou-se no colo dela, olhou-a uma última vez e morreu de mansinho.

Isto também sei, porque eu estava sentada de pernas cruzadas no chão da cozinha e vi as lágrimas no rosto Dela. Lágrimas novas para mim. Gotas que eu desconhecia serem vindas de uma alma que eu não sabia a quem pertenciam.

Ele... o Príncipe das minhas estórias...Ele não conseguira ver o cão partir, não estava lá nessa hora em casa, não teve coragem de o segurar no colo, esqueceu-se da hora, sei lá?
As razões ficam para outro dia. As razões nunca serão minhas nem nossas.

O nosso rafeiro morreu, enfim, à espera do seu dono. Só Ela e eu estávamos lá. Nunca percebi porquê.

Só ao fim de séculos percebi afinal porque éramos apenas mulheres na cozinha.
E soube dolorosamente quem ela o amara sempre.

 
sábado, março 13
  Um sábado qualquer

chega a noite em delírio de sons de jazz
guiei um carro em tons de prata
por estradas em cores de surpresa
naveguei pelo meu dia de espanto
vi-te ao virar da esquina da cidade velha
sorri-te com o corpo que trazia comigo
nesse dia de todos os momentos
não vestia vermelho
não trazia as estrelas nos olhos
não calçava os saltos de agulha

era eu despida de todos os eus
era eu nua de máscaras
era eu no dia de hoje
tão mágico como o teu olhar de adeus

amei o sol que me beijou
amei-o em teu lugar
amei os homens todos que me desejaram
não fui de nenhum
fui de todos os tesões que provoquei
fui do sol fui da rua
sacudi o cabelo e segui em frente

vesti-me de negro dos olhos que me matam
pintei-me das cores que me chamam para as noites
dancei as músicas que vivem na minha alma

desprezei os homens
amei uma menina mulher que se senta no meu colo
amei uma irmã gémea do outro lado do meu espelho
amei uma outra mulher que se despede da vida
seduzi as horas que me deixam deserta.

esqueci-me de mim mais uma vez
voltarei numa outra estação fora de tempo.



FOTOGRAFIA DE 
sexta-feira, março 12
  Outras estórias
Sem Imagens

Numa ilha perdida, conheci o João. O João tem 20 anos e os olhos cheios de estrelas por ver em outros céus, que não conhece, mas que adivinha. O João é um mago da tecnologia. Trata as máquinas por tu e sabe mais de redes e de comunicações do que muitos senhores engenheiros informáticos, mestres de diplomas de celofane... O João ouve música alternativa e oferece-me a sua música apenas com um sorriso. Fala pouco, mas encheu, à distância, o meu computador de sons mágicos e novos. O João está em permanente contacto com todo o mundo, viaja na sua auto-estrada, sem parar. O João e a sua loira e jovem namorada, são voluntários numa associação contra a pobreza e passam muitas horas do dia a orientar, entreter e ensinar os meninos que nasceram do outro lado da sorte. O João tem estrelas no olhar. Quer conhecer novas sortes, novas gentes ao vivo. Quer viajar de verdade, tocar nos sítios que tão bem conhece através do seu ecran luminoso.
O João não consegue acabar o 12º ano. Falta-lhe a matemática (??). A professora diz que ele não vai às aulas....
O Miguel é um dos meninos que frequenta o centro de recursos da associação onde o João é voluntário. O Miguel tem 12 anos. Corpo franzino e mal nutrido, olhos esbugalhados, olha-me com avidez de novidades e palavras com outras suavidades. O Miguel anda na escola desde os sete anos. O Miguel não sabe ler. Mal articula frases completas. O Miguel é frequentemente expulso do centro.
Porquê João? Porque expulsam o Miguel? “Sites pornográficos... isso já ele sabe ler...” (sorriso triste do João)
E os pais? “O pai anda por aí nos cafés.. a mãe, nem se sabe de si própria...
Adeus Miguel, menino de olhos tristes e vida do outro lado da sorte...
 
quinta-feira, março 11
  Pausa na poesia

não houve poesia hoje no dia das famílias que choram a morte dos seus queridos. 
terça-feira, março 9
  Entre Ilhas

hoje encontrei o caminho que de meu se fez
hoje a minha casa descobriu a estrada que me levou até mim
hoje a música foi de sorrisos loiros cheios de caracóis
hoje vi o mar para lá dos horizontes de bruma

eu estou aqui de onde nunca parti de onde sempre me encontrarei
eu sou o meu norte que de tão perdido sempre o encontro

tenho na mala ainda os talões de embarque
escrevo palavras à toa por cima dos números de código
deito finalmente os papéis (pro)escritos pela janela fora

já posso abrir as janelas
já posso cheirar as noites que me pertencem.

tambem andei por aí nos fins de tarde
e fotografei as luzes que se apagam
procurei as cores por inventar
tantas cores que de nomes são mistérios

não há pontes no mundo que eu amo
não há pontes entre as ilhas da paixão
há somente horizontes de solidão.



fotografia 
  As Ilhas outra vez


De volta aos sonhos perdidos em ilhas de bruma. Deixo o meu mundo para trás, deixo as vozes e olhares que me prendem aos meus dias de todos os dias. Digo adeus até já. Sei que voltarei no fim da nostalgia insuportável de existir dentro da minha alegria de ser. Sei que voltarei para quem me prende ao meu corpo com amarras invisíveis como fios de aranha. Sei que voltarei para as crias que me amam na indiferença das idades que carregam no seu pequeno ainda destino.

Deixo-me embalar pelo nevoeiro, pela intensidade do vento e das cores das janelas. Há um momento em que sei que me perderia na bruma para encontrar o meu olhar de nunca. Há um momento em que abandono o corpo ao fim de tarde rodeado de mar cheio de flores por nascer. E há o momento perigoso em que me aproximo da falésia e mergulho no azul. E fico a planar ao vento nesse salto um segundo uma vida para sempre.

Até ouvir o toque que me devolve ao espelho onde ainda me reconheço.


Fotografia 
domingo, março 7
  O Fotógrafo da Insónia 
  Insónia II

e o regresso ao corpo feito de luz faz-se sem a razão óbvia de ser

e o vestido despe-se sozinho
primeiro os olhos
depois o sorriso do desejo tímido
seguido das alças que o seguram os ombros da certeza

em seda feito escorrega pelos braços que nunca te tiveram
em cetim desenhado mergulha no abismo das tuas cores apenas imaginadas

em estrelas sonhadas é um lago de paixão
macio e dolente o meu vestido já agora no chão...


 
  Insónia

estória antiga ao som de guitarra eléctrica...

eu era um projecto de pessoa
uma luzita de fim de tarde
havia na cidade tantas luzes
havia tantos amores por descobrir
eu tinha apenas um coração
e muitas vontades...

havia uma cidade branca
havia páginas em abismo de azul
havia a avidez de amar...

havia uma outra margem por encantar
e havia uma voz para amar...

- sabes, quando o sol se põe acontece uma magia, disse ele na sua melodia sabedora
- não sei, conta-me como é, respondeu ela com os olhos abertos de espanto
- escuta com a tua alma, disse a voz quente de sorrisos doces
- escuto com a paixão que tenho de aprender... pensou ela para o resto da sua vida.

- quando o sol se põe, há um minuto em que a natureza pára, escuta o teu momento... - foi o último encantamento guardado em papel de seda.

Acreditei no momento que tu me deste. Continua comigo nas horas em que me calo para me ouvir.



 
Uma mulher na corda da roupa sem rede, debitando sonhos, tretas e outras coisas sem interesse geral

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